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Implicações psicológicas do uso de máscara

  • Ana Monteiro
  • 9 de abr. de 2021
  • 4 min de leitura

Hoje trago-lhe uma pequena reflexão que me tem acompanhado nos últimos meses. O uso da máscara e de que forma a sua utilização diária interfere no relacionamento interpessoal.

Aventuro-me a ir um pouco mais longe e englobar nesta análise as crianças que estão inibidas da aprendizagem da leitura da expressão facial dos outros. Os olhos são, é certo, o espelho da alma mas na realidade a face é a área corporal de maior recurso para a expressão não-verbal e é redutor se a cingirmos ao olhar. Note que nós adultos completamos a expressão do olhar automaticamente em função do posicionamento dos olhos, das sobrancelhas e da testa mas a criança em pleno desenvolvimento não tem essa memória expressiva. Não querendo ficar presa na pura reflexão parece-me sensato incluir na aprendizagem dos mais pequenos actividades e jogos que lhes proporcionem alguma literacia emocional na expressão não-verbal. Por outro lado parece-me agora ainda mais proveitoso a abertura familiar para se expor emoções e sentimentos, pensamentos e expressões. Obviamente de forma assertiva e ponderada. Os jogos de mimica que envolvem o ensaio das emoções parecem-me óptimos exercícios a pôr em prática no seio familiar principalmente com as crianças em idade pré-escolar.

E com crianças mais velhas? Partilho consigo uma conversa entre crianças de 9 anos, na qual percebi que uma via uma vantagem no ensino à distância, podia ver a sua professora sem barreiras e a outra dizia que, quem tinha conhecido a usar máscara preferia que assim se mantivesse. E aqui antevemos a panóplia de reacções emocionais que existe à limitação da leitura do rosto e de que forma a mudança a este nível influencia os relacionamentos. Crianças com resistência à alteração de hábitos invariavelmente sentirão a ausência da máscara como um acontecimento, que até poderá ser no final positivo mas criará sempre alguma reacção e expectativa ou até ansiedade. Crianças mais flexíveis e elásticas no manuseio das emoções acharão muito aliciante interagir com os outros que conheceram com máscara agora despidos dela.


Acredito que para os pais de adolescentes esta seja também uma fase de um maior desafio. A persistência e por vezes oposição tão característica desta faixa etária torna a imposição do seu uso uma tarefa hercúlea. Com toda a certeza já se deve ter cruzado com grupos de adolescentes sem máscara. Portanto nesta faixa etária a perda fulcral é a da intenção protectora da máscara.


Quanto a nós adultos, é muito interessante percebermos como nos sentimos de máscara e de que forma o seu uso se estende ou não a uma protecção emocional. Sente-se demasiado exposto sem máscara, sente vontade constante de não a usar? Repare que quando a nossa intenção comunicativa é desejada e/ou urgente a tendência é a retirarmos todos os obstáculos à comunicação. Esta poderá ser uma pista para melhor entender o impacto do uso da máscara no seu funcionamento social actual. Obviamente, não descuro aqui o hábito do uso da máscara como um gesso num braço que nos causa confusão quando retirado. O mais frequente até poderá será mesmo isso.

Permita-me fazer um parêntesis e sublinhar que o uso dos óculos escuros em espaços fechados funciona frequentemente como uma barreira ao “outro”, como se a exposição do olhar ferisse o próprio e lhe permitisse uma protecção suplementar à sua intimidade. Por outro lado, a visão continua plena e permeável à sua leitura. Salvo excepções, são necessidades sentidas pela dificuldade de se expor, de se sentir julgado e vulnerável ao outro. A máscara pode então entrar neste grupo de forma silenciosa e imperceptível, vale sempre a pena estarmos atentos às nossas reacções e abertos à auto-reflexão.

Outra questão é de que forma a comunicação é afectada na interacção mediada pela máscara. O que acha que fica por dizer e partilhar?


Chegamos ao último grupo etário, aquele que a meu ver mais sofre com o uso da máscara. Os idosos pela rigidez do seu funcionamento, por hábitos fortemente estabelecidos ao longo dos anos e pela perda da função auditiva. Não podemos de forma alguma descurar o papel da leitura labial no auxílio da comunicação verbal. Portanto nesta faixa etária está comprometida não só a comunicação não-verbal como a verbal. Penso que será esse desconforto que promove o incorrecto uso da máscara ou até mesmo a relutância em o fazer. Aqui o sentir mais profundo é mesmo o de desamparo que culmina na solidão. É importante que entendam a importância do uso correcto da máscara mas que isso não invalide o esforço de passar a mensagem que se pretende, nem que exija a repetição consecutiva. Uma dica para os mais velhos é ter ao seu dispor com um bloco de notas no bolso, por vezes é preferível o esforço da leitura à frustração da palavra não percebida. Cuidemos dos nossos familiares, agora de uma forma diferente, mas não deixando de estar presente, através de uma chamada, de um mimo enviado pelo correio ou pelo um simples acenar à janela.


Não sabemos por quanto tempo teremos de usar a máscara mas podemos reinventar a forma de comunicar e superar esta adversidade de forma criativa, com as crianças e entre os adultos. Partilhe connosco as suas estratégias!


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